Somos a prisão ou os prisioneiros de nossos amores e de nossa identidade? Numa escrita sensível e forte ao mesmo tempo, Virginia Brindis de Salas nos mostra as fibras de seu coração. Como diz o prólogo, o coração é o "Carcereiro que abre as portas, sístole e diástole" desta prisão. Em um conjunto de 17 poemas, vemos os sentimentos de uma experiência de vida determinada por sua cor de pele e sua identidade, a Afro-Uruguaia.
Cien Cárceles de Amor (Cem Prisões do Amor) abre mais uma vez a cortina branca que encobre a poesia do Cone Sul, como uma névoa que não deixou ver o que teciam as mãos negras e indígenas dessas terras. O colorismo teve o seu quinhão bem feito por aqui, mas não venceu.
Os poemas são variados. Mas os que mais se destacam são sobre a identidade da diáspora africana e a opressão sofrida por eles. Seja pelo retrato dos ancestrais obrigados a trabalharem nas plantações ou no perfil de uma mulher que trabalha como doméstica, Brindis traz a tona a injustiça em um tom de protesto. Em poemas como "Cantos" e "Hay algo en mis venas" vemos a identidade que pulsa dentro dela. E "Navidad Palermitana" demostra a força cultural da comunidade negra e a alegria que se apresenta quando se pode ser você mesma.
Também há poemas de amor. "Crisantemos", "La Carta" e "Mi Corazón" falam sobre um amor doído. O amor que nunca chegou, aquele que espera o amado que não chega e o fim de um relacionamento. Me fez pensar muito nos relatos sobre a solidão da mulher negra e como aquele amor romântico e delicado pode ser negado com uma frequência tão constante e cruel.
O livro é estruturado em 5 seções. As primeiras e a última seção demostram o quanto Virginia era conhecida em sua época. As duas primeiras são constituídas de um prólogo escrito por Isaura Bajac de Borges, seguido de uma seção de elogios de autores de toda a América, como a chilena Premiada pelo Nobel de Literatura Gabriela Mistral. E o livro é finalizado com 5 poemas dedicados à autora.
Me cabe el cañaveral en cuatro dedos de ron. Poco paga el yanqui ya por este millón de cañas que el negro sembró y cortó. Mas no me trago este trago, porque es trago de sudor. Aquí el borracho es marino, pero si se pone a andar se ve que es de tierra el mar. La ola suelta de un trago aquí siempre es de huracán. | O canavial cabe em quatro dedos de rum. Agora paga pouco o yanqui por este milhão de canas que o negro semeou e cortou. Mas não vou beber este trago, porque é um trago de suor. Aqui o bêbado é marinheiro, mas se ele começar a andar Vê-se que de terra é feito o mar. A onda liberada em um trago aquí sempre é um furacão. |
Trecho de "Abuelito Mon" | |
Antes de começar com a coletânea, ela dá luz a seus dois ilustres parentes, que "tiveram sua coroa de glória e sua cruz de martírio". Dois artistas negros importantes e famosos em Buenos Aires, o violinista cubano Claudio Brindis Salas e o trovador argentino Gabino Ezeiza. Ambos foram geniais mas terminaram na pobreza esquecimento. Ela tenta tocar na genialidade deles, como um pedido de benção para a sua arte, e ao mesmo tempo demostrar que apesar disso, a sua raça determinou o destino final deles.
Apesar de não estar publicado em outros idiomas, é possível encontrar na internet diversos estudos e traduções de livros de dois poemas deste livro em português e inglês. Seu livro está disponível na biblioteca online uruguaia como domínio público em espanhol.
É um livro essencial não só para a comunidade negra, mas para todos nós da América do Sul e Latina. E para América do Norte também. Como parte do que era nossa sociedade, como é agora e como podemos melhorá-la.
Sem dúvida, vou lê-lo várias vezes.
Nota: Todas as citações são traduções livres.
Sobre a Escritora
Virginia Brindis (1908-1958) foi uma poeta afro-uruguaia nascida em Montevidéu. Uma das primeiras autoras negras a serem publicadas no Uruguai, sua obra foi invisibilizada e recheada de controvérsias. Ativista do movimento negro, participou da vida intelectual e política do Uruguai ativamente.
Outros Livros: "Pregón de Marimorena" (1946)
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